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sexta-feira, 1 de abril de 2011

A discussão esdrúxula sobre a palavra "presidenta"


 Ao assumir, Dilma Rousseff preferiu usar a forma "presidenta"


Por P Pereira, no LNO

Pela forma que foi escrito, acho que não seria possível copiar e colar , então fica só link:

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5038091-EI8425,00-Quem+mandou+escrever.html

Quem mandou escrever?

Sírio Possenti
De Campinas (SP)



Vera Helena Amatti desovou artigo no Observatório da Imprensa, que o colocou sob a rubrica Linguística. Sempre que esse Observatório emprega a palavra "lingüística" revela que não sabe do que se trata. O título do negócio é "A língua portuguesa venceu!". Os argumentos mostram que a rubrica deveria ser "gramatiquinha" ou "manual de redação". Ou ordem de serviço.

Vou citar trechos e comentar. O texto dela está em itálico; meus comentários, entre parênteses. Vai dar algum trabalho, mas nem sempre estamos aqui para nos divertir!



Há alguns meses, com a vitória de Dilma Rousseff para o palácio do Planalto, surgiu o debate sobre a flexão de gênero da palavra "presidente", que antecederia o nome da primeira mulher a ocupar o cargo no país. Presidente ou presidenta? As duas formas encontram respaldo na maioria das gramáticas, mas, diga-se de passagem, gramáticas hoje em dia não são mais sinônimo de regras imutáveis (algum dia foram?). Apesar das discordâncias, penso ser mais elegante e discreta (mais discreta, sem dúvida; não explicita que a ocupante do cargo é mulher; mais elegante? Mais tradicional, com certeza) a designação "presidente" para ambos os sexos, sobretudo porque os sufixos derivados de verbos no infinitivo (derivados do verbo no infinitivo? "Derivados do verbo", simplesmente. É mais elegante, mais discreto e é a descrição correta), como pedir, solicitar e cantar são facilmente flexionados como pedinte, solicitante, requerente e cantante (essas não são flexões dos verbos; como a mesma Amatti, são derivações).

Quem governa é governante, e o cargo de governanta designa profissão respeitável (o cargo não designa; o que designa é o nome), porém subalterna e alternativa linguística (??) diferenciada para quem exerce a função de gerir uma casa, um bem particular, diferente da cidade, estado ou país, de caráter público. Fosse Dilma presidenta, sua administração estaria restrita à residência em Brasília (não, dona Amatti! no caso, ela seria governanta, ou "do lar"!). Portanto, as estratégias de marketing para diferenciar Dilma (não houve marketing para tentar fazer a designação pegar; houve alguns pronunciamentos, até poucos, nada mais que isso) de outros presidentes (podia dizer "dos presidentes") do sexo (ainda bem que escreveu "sexo"!!) masculino esbarram no decoro do cargo que ocupa (não acho que esbarram no decoro do cargo; "presidenta" não é uma designação que conote falta de decorro; só conota posicionamento político e/ou cultural).

Na tentativa de popularizar o termo "presidenta", assistimos ao lamentável episódio de Marta Suplicy, no plenário do Senado (é bem difícil que um pronunciamento no Senado possa popularizar uma coisa dessas; não é o BBB, apesar de tudo), interromper o presidente da casa, José Sarney, em horário de trabalho (hum, que preocupação! Gostei!) - sim, as sessões para debate e aprovação de projetos das quais participam os parlamentares são atividades-fim (Juro que não sabia! Esse jargão administrativo é realmente o máximo! Mas sempre se pode perguntar se são mesmo atividades-fim: que fim elas têm mesmo?) e apartes para a correção (mas se ela acha que não é uma correção!) do vernáculo poderiam ocorrer em outro momento - (Grande preocupação com produtividade do senado!) e corrigi-lo, em tom de repreensão: "Pela ordem, presidente. É presidenta, não presidente", ao que teve de escutar calada a réplica balizada do professor (Sarney agora é também professor?) e escritor, mais afiado (o que quer dizer?) na língua (não tenho nenhuma certeza de que Sarney seja uma referência para questões de língua, a não ser que todos possam sê-lo) que na ética (boa estocada! Mas Sarney já foi bom, não foi?): "Estou preferindo a forma francesa, le président", (para que isso fosse verdade ele deveria dizer que no Brasil prefere que Dilma seja chamada de "o presidente"; "le" é "o"!) e deu por encerrada a discussão (que discussão?), embora o registro do ocorrido tenha ganhado a cobertura de mídia pretendida pela sexóloga senadora (acho que o problema de dona Amatti é a Marta: o dilema dele está entre a sexóloga e senadora. Explicando melhor um ponto: segundo as notícias - Amatti esquece o que quer, o que deve ou o que mandam-, Sarney disse que preferia a forma francesa madame, Le président. Diferença relevante: em francês, pelo menos por enquanto -seria diferente com Ségolene?-, nem o artigo assume a forma feminina. Aceitando a forma sugerida por Sarney, a coisa ficaria mesmo complicada. É que, por aqui, madame passou a significar uma dona daquelas casas de luzes vermelhas que quase nem há mais!)

Ocorre que nem tudo acontece como nos sonhos mirabolantes dos marqueteiros (qual marqueteiro entrou na parada?): nenhuma emissora séria de TV ou rádio, jornal ou revista, site na internet ou mesmo o mundo acadêmico tem utilizado a forma esdrúxula "presidenta". O sucesso da simplicidade melódica (é só hábito; a "melodia" é a mesma nas duas formas; a diferença entre elas está apenas na qualidade da vogal final; nada a ver com melodia; é também por coisas assim que a rubrica não poderia ser "linguística!") prevaleceu sobre o trinado cafona (questão de gosto; então, passa; mas eu acho cafona o raciocínio dela) dos interessados em destacar o sexo feminino como trunfo para o bom governante que, como bom profissional, não precisa afirmar seu gênero (deve ser por isso que os salários são iguais entre homens e mulheres - porque, para os patrões todos, o sexo (ou gênero) do empregado não conta mesmo, como se sabe).

Ao contrário, como revanche, a língua escancara (podia ser mais elegante e dizer revela) a preferência política de quem a quer manipular (impor "presidente" contra "presidenta" é tão manipulador quanto a posição contrária). Quer conhecer um petista? É aquele que no bar (ou numa roça ou numa fábrica ou numa empresa ou numa universidade ou num jornal - ou num jornal não pode?), com o nó da gravata frouxo (ou sem gravata ou com gravata de nó apertado, pouco importa), se refere a Dilma como "presidenta" (quer conhecer um democrata ou tucano? É aquele ou aquela cara com ou sem gravata ou tailleur da Daslu que odeia a forma "presidenta"). É evidente também que o fato de muitos jornalistas escreverem ou falarem "presidente" pode ser decorrente (Ah, não! Me desculpe! Imagine se donos de jornal tomam atitudes como esta! Eles são defensores da liberdade de expressão, inclusive dos seus jornalistas, empregados ou empregadas) apenas de ordem superior de seus veículos, mas isso faz parte da profissão (Faz parte da profissão? Não sabia! Pensava que só acontecesse com petistas!) e obedece ao mistério que guardam todas as línguas (Não há mistérios! Como Amatti acabou de dizer, nenhum jornal usa a forma porque os donos não deixam!), elas encobrem desejos e frustrações, mas sempre revelam o enunciador no subtexto. (Verdade! No subtexto - é um subtexto - de Amatii está uma enunciadora desinformada e reacionária!)


Sírio Possenti é professor associado do Departamento de Linguística da Unicamp e autor de Por que (não) ensinar gramática na escola, Os humores da língua, Os limites do discurso, Questões para analistas de discurso e Língua na Mídia.

Fale com Sírio Possenti: siriopossenti@terra.com.br

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